30.4.11

As Pessoas com Deficiência, o Mercado de Trabalho e as Empresas.

A lei de inclusão de pessoas portadoras de necessidades especiais (PNE) ao mercado de trabalho (também conhecida como Lei de Cotas) completou este ano 18 anos, mas considero que ela ainda está longe da maioridade. A sua rigidez vem atrapalhando a vida de muitas empresas que pretendem cumprir integralmente os preceitos dessa lei.
A Lei de Cotas reza que as empresas com 100 ou mais empregados deverão preencher de 2% a 5% dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas PNE, nas seguintes proporções:
1) Até 200 empregados – 2%;
2) De 201 a 500 empregados – 3%;
3) De 501 a 1000 empregados – 4%; e
4) De 1001 em diante – 5%.

A pessoa enquadrada como PNE é aquela que apresenta, em caráter permanente, perdas ou anormalidades de sua estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, que gerem incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano. Consideram-se beneficiados reabilitados todos os segurados e dependentes vinculados ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS), submetidos a processo de reabilitação profissional desenvolvido ou homologado pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS).

É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias:I - deficiência física - alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções;

II - deficiência auditiva - perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz;

III - deficiência visual - cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60o; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores.

IV - deficiência mental - funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como:
a) comunicação;
b) cuidado pessoal;
c) habilidades sociais;
d) utilização dos recursos da comunidade;
e) saúde e segurança;
f) habilidades acadêmicas;
g) lazer; e
h) trabalho;

V - deficiência múltipla – associação de duas ou mais deficiências.
A Constituição Federal/88 assegura os seguintes direitos aos PNE:a) Proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador PNE (art. 7º, XXXI);
b) A lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas PNE, e definirá os critérios de sua admissão (art. 37, VIII);
c) A habilitação e a reabilitação das pessoas PNE e a promoção de sua integração à vida comunitária por meio da assistência Social (art. 203, IV);
d) A garantia de 01 salário mínimo de benefício mensal à pessoa PNE que comprove não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família (art. 203, V);
e) Criação de programas de prevenção e atendimento especializado para pessoas PNE (física, sensorial ou mental), bem como de integração social de adolescente PNE, mediante treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos (art. 227, § 1º, II); e
f) Construção de logradouros e de edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas PNE (art. 227, § 2º).

Ressalto que os PNE, conforme dispõe a lei nº 11.788/08 sobre o ‘Estágio Supervisionado’ de estudantes (desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam freqüentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos) tem assegurados 10% das vagas; não são 10% dos postos de trabalho da empresa, mas 10% das vagas oferecidas na empresa a título de estágio. Assim, se forem oferecidas dez vagas de estágio, uma será para os deficientes. Portanto, essa lei contribui também para a inclusão do deficiente no mercado de trabalho, sob a forma de estágio.

O cumprimento da legislação sobre pessoas PNE é fiscalizado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), que não mede esforços em multar as empresas que não estiverem cumprindo os ditames da Lei de Cotas. Por ocasião das averiguações, o MPT, quando encontra irregularidades nas empresas, emite, em princípio, o ‘Termo de Ajustamento de Conduta’ (TAC), por meio do qual essas empresas se comprometem com metas e prazos para o fiel cumprimento da Lei de Cotas; caso contrário, elas poderão ser alvos até de “ações civis públicas”, visando assegurar os direitos das pessoas PNE, previstos na legislação. Uma das formas de se evitar o descumprimento da lei é fazer acordos com o MPT, com o estabelecimento de prazos visando cumprir a cota estabelecida, em função do número de empregados efetivos, com o preenchimento ou integralização do respectivo percentual previsto na legislação.No Estado da Bahia mais de 20 empresas assumiram compromisso, perante o MPT, para regularizar a contratação de trabalhadores PNE. Tais empresas vinham descumprindo a lei de inclusão de pessoas PNE, o que é considerado como uma meta prioritária de controle do MPT. Essas empresas celebraram o TAC, assumindo o compromisso de, enquanto não atingir a cota prevista na lei, contratar preferencialmente pessoas PNE. A preocupação da sociedade com este assunto é tanta que o Juiz de Direito Franklin Christian Gama Rodrigues (Vara de Trabalho de Eunápolis) concedeu liminar à ação, determinando de imediato a contratação, sob pena de multa, de todos os postos de trabalho que surgirem para pessoas PNE, até que seja alcançada a cota legal. Esta decisão indica, portanto, que a reserva de vaga, além de uma obrigação legal das empresas, é um direito fundamental da pessoa PNE, e que a Justiça do Trabalho não tolera conduta contrária a efetivação desse direito. Por outro lado, é bom lembrar que muitas empresas não querem contratar pessoas PNE apenas para cumprir uma cota e/ou praticar assistencialismo; elas querem recebê-los de forma planejada, para que se sintam capazes de atuar no mercado de trabalho.

Importa destacar a louvável intenção do legislador, ao tentar criar mecanismos que permitam o acesso de pessoas PNE ao mercado de trabalho e ao convívio social, na busca da igualdade de oportunidades; e em um contexto macro, na solidariedade social. Entretanto, na aplicação da lei, salvo melhor juízo, não deve haver extrema imposição por parte das autoridades fiscais trabalhistas às empresas, para que estas admitam pessoas PNE em seus quadros, independente deles estarem devidamente habilitados ou reabilitados para o desempenho das funções disponíveis; isso poderá gerar na pessoa PNE “circunstância vexatória” perante os demais colegas de trabalho, por não dispor de capacidade laborativa para desempenhar as suas funções satisfatoriamente. Há que se considerar também que a mão-de-obra de pessoa PNE é considerada extremamente reduzida no mercado de trabalho; muitas empresas, em função disso, ficam sem alternativas, em face da inexistência dessa mão-de-obra em número suficiente, muito embora tais empresas demonstrem extremo desejo em cumprir a lei. Além da dificuldade de recrutar e selecionar pessoas PNE em número suficiente para cumprir a lei, muitas empresas sofrem com a retenção desses profissionais. O fato de a lei estipular cotas para pessoas PNE torna o mercado de trabalho muito favorável a esse público. Por receber mais propostas de trabalho, o funcionário PNE está mais suscetível de trocar de emprego na primeira oportunidade. O efeito negativo disso é que alguns empresários, sob orientação dos Administradores de Recursos Humanos (RH), temem investir no treinamento e capacitação dessas pessoas. Para evitar esse indesejado turnover, faz-se mister que as pessoas PNE recebam salários melhores (mais atraentes) e sejam rigorosamente incluídas nas políticas de RH das empresas; devem ter Planos de Cargos, Salários e benefícios, participação nos lucros, como de praxe são oferecidos aos empregados em geral.

Necessário trazer a lume situações fáticas ainda mais delicadas, vividas por inúmeras organizações empresariais atualmente no Brasil. Trata-se daquelas que dispõem em seu quadro de funcionários cargos incompatíveis com o desempenho pelo portador de deficiência e que são englobados no cálculo da reserva legal de empregos, em razão da omissão da lei no que tange a esse aspecto. Por certo, o legislador se esqueceu de excluir da cota de empregos reservados aos deficientes físicos, cargos que exigem aptidão plena para o seu desempenho. Conclui-se pelo esquecimento legislativo, visto que o artigo 38, inciso II do Decreto 3.298/99, exclui da cota reservada aos portadores de deficiência física, em concursos públicos, aqueles cargos que exigem aptidão plena para o seu desempenho. Ora, se na concorrência por cargos públicos excluem-se os portadores de deficiência para aqueles cargos que exigem aptidão plena, por que a legislação trabalhista não trouxe previsão em que fosse possível excluir os cargos desenvolvidos nas empresas privadas, que também exigem aptidão plena, para o cômputo da cota de empregos reservadas aos portadores de deficiência?

O fato é que a Lei de Cotas vem cumprindo apenas parte de seu objetivo; diametralmente oposto, ela vem exigindo ajustes para tornar-se mais razoável e exeqüível. O governo passou às empresas um dever que é de toda a sociedade. As empresas, que já sofrem com a elevada carga tributária, procuram fazer “seu dever de casa”, porém, em razão dos rigores da Lei de Cotas, acabam assumindo também responsabilidades públicas como as capacitações das pessoas PNE e a sua preparação para o mercado de trabalho. Reconheço os avanços desta lei, contudo o seu ‘caráter coercitivo’ preocupa mais em punir do que em educar. Os Auditores do Trabalho do MTb aplicam multas às empresas que não conseguem cumprir sua cota, mas não estão preparados, por exemplo, para orientá-las sobre como tornar o ambiente de trabalho mais amigável para os profissionais PNE. Essa idéia de “corre porque senão você vai ser multado” leva às empresas a ‘contratar qualquer pessoa para fazer qualquer coisa’, e isso está errado por não haver um mínimo de planejamento de RH, o que dificulta efetivamente o atingimento das cotas. Nos países desenvolvidos as cotas para pessoas PNE já faz parte do passado; nesses países as pessoas querem ser contratadas absolutamente por suas capacidades. Executivos de RH de empresas multinacionais baseadas no país não conseguem “entender a nossa Lei de Cotas”.

Embora haja, muitas vezes, resistência por parte dos empregadores, não há outra opção senão a de cumprir a lei. Sabe-se, de fato, que há muitos setores, como por exemplo, o de siderurgia, que pelo tipo específico de atividade, acaba colocando em risco a integridade física dos deficientes contratados por força da lei. No entanto, de forma alguma isto será "desculpa" perante o MPT, pois dificilmente uma empresa que exerce atividade com grau de risco mais elevado, não tenha, dentre suas atividades, uma que possa recepcionar o portador de deficiência que não o coloque em risco, como por exemplo, a área administrativa, contábil, financeira e etc. Por outro lado, há alegações de empregadores que não encontram profissionais, portadores de deficiência, capacitados para exercer as atividades na empresa, o que, por si só, não justificaria a não contratação, já que pela intrínseca responsabilidade social da empresa, o treinamento e a capacitação da mão-de-obra se fazem presentes.

Para facilitar a contratação de pessoas PNE, às empresas podem se utilizar de um bom recrutamento externo, baseado principalmente em:
a) Arquivos de candidatos ou bancos de talentos que se apresentaram espontaneamente ou em outros recrutamentos;
b) Apresentação de candidatos por parte dos funcionários da empresa;
c) Cartazes ou anúncios na portaria da empresa ou em pontos vitais;
d) Contatos com sindicatos e associação de classe;
e) Contatos com universidades, escolas, agremiações, centro de integração empresa-escola, organizações não-governamentais e entidades que apóiam o deficiente, etc;
f) Contatos com outras empresas que atuam no mesmo mercado em termos de cooperação mútua (recrutamento conjunto);
g) Anúncios em jornais, em revistas e em agências de recrutamento;
h) Viagens para recrutamento em outras localidades; e
i) Internet ou recrutamento virtual através do site da empresa.
Por Alessandri Campos Vilanova e Silva

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